[Tradução] Patchwork por Novala Takemoto (3° andar + Introdução à teoria Lolita)

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Comprei o Patchwork há alguns anos, curiosa com alguns dos artigos sobre Moda Lolita escritos à época do boom da moda no Japão. Não gosto do Novala, muito menos da escrita dele, mas acho que esse tipo de produção é muito interessante para entender os caminhos da moda do final dos anos 90 até os dias de hoje. 

Decidi traduzir então o primeiro texto do 3° capítulo: Lolita e seus salmos. O Patchwork, talvez você não saiba, é um livro organizado como uma feira shop: cada capítulo é um andar da loja e uma temática diferente da moda. A narrativa é aquela mesma do Novala que você já deve estar careca de ver: super conceitual, sem tradução direta e carente de várias adaptações para fazer sentido no nosso idioma.

Como de costume, essa é uma tradução livre e passível de erros. Caso encontre algo fora do lugar, não hesite em comentar!


3° andar
Lolita e seus salmos (p.75)

Riram de você por sua fé herege.
Nesse andar fechado você pode dançar com leveza.

Se você acreditar em mim,
Se deixar que eu cuide de você,
Eu lutarei,
Lutarei para proteger esse lugar sagrado que existe entre você e eu.

Parece uma luta imprudente, sem chances de vitória,
Mas não importa o quão desesperador pareça, enquanto não nos rendermos, nós temos como vencer.


(p.76-79) 

Introdução à teoria Lolita
Lolita como ultra-anarquismo

Lolita: todos sabem que essa palavra tem suas raízes na obra de Nabokov. Por meio dela ele definiu o estilo de garota que mais lhe apetecia: mesmo sendo jovem, ela deve ser como uma ninfa, trazendo comportamentos e aparências levemente maliciosas ( 小悪魔的: referência a alguém fofa e inocente por fora, mas com comportamento cruel, calculista e, talvez, sedutor por trás dessa aparência.).

Mas, agora, e especialmente no Japão, Lolita é entendida como tendo o significado oposto à dessa Lolita que Nabokov criou. (N/T: Novala está claramente se referindo à Lolita da adaptação de Kubrick e popularizada pelo pôster de pirulito, não a Lolita de Nabokov em si.)  Por exemplo, em vídeos de conteúdo Lolita adulto, esse tipo de garota coquete não aparece mais. Mulheres que já são adultas, mas parecem jovens em roupas de colegial por conta de seu rosto infantil, ou garotas que não tenham uma gota sequer de erotismo em seu corpo, são tratadas como Lolitas no Japão.

Quando falamos sobre Lolita, é importante entender as diferenças entre a definição da lolita de Nabokov e a interpretação da Lolita que, apesar de derivada desta primeira, é agora única ao Japão. 

Então, a fim de evitar confusão, eu gostaria de, primeiro, declarar que a interpretação japonesa de Lolita é a base da Moda Lolita.

Se você busca a origem desse estilo que parece saído de um conto de fadas ocidental e agora se vê afogado em rendas e babados, vá para a MILK, a loja de roupas que abriu em Harajuku nos anos 70. 

Na sua origem, as roupas da MILK eram excessivamente caras e pouco práticas para uso diário, então elas acabavam sendo usadas apenas por idols em suas apresentações. Mas, no coração de uma jovem (otome) não existem bordas entre a realidade e a fantasia (N/T: provavelmente em referência à impraticidade das roupas da MILK.). As jovens, atraídas pela explosão de fofura (キュート) da MILK, logo começaram a usar suas roupas no dia a dia.

Foi nesse ponto que o estilo das jovens (乙女), chamadas Lolitas, surgiu espontaneamente. A marca que posteriormente daria à moda Lolita guidelines mais definitivas apareceria apenas em 1985. Jane Marple é justamente essa marca, e foi fundada por Megumi Murano, ex-designer da MILK. 

Aqui é preciso dizer que a Moda Lolita passou e ainda passa pela vida de um grande número de diferentes jovens, com momentos de pico e declínio. Isso porque essa é uma moda universal.

MILK e Jane Marple, que são a origem da Moda Lolita, recentemente têm recusado o rótulo de marca Lolita apesar do suporte ferrenho que recebem das jovens que usam essa moda. Agora, marcas indies tomam a dianteira no BOOM da Moda, o qual deve logo se extinguir e então renascer.

O que, afinal, é a moda Lolita? Um estilo de excessivo romantismo (ロマンチソズム)? Uma quantidade desagradável de pessoas costuma, de maneira inconveniente, perguntar se Lolitas são garotas que se recusaram a crescer. 

Mas eu digo: O que é Lolita? Não existe resposta para essa pergunta. Se se trata de uma moda, de música ou política, cada estilo tem uma liderança (N/T: liderança, aqui, funciona como as influencers de hoje em dia) que a leva adiante e tece comentários a seu respeito. As ideias dessas líderes são propagadas para seus adoradores, que decidem seus estilos de acordo com essas ideias. Mas isso também significa que, quando uma líder está ausente, ou quando suas ideias não cabem aos anseios de quem as buscam, o estilo desaparece.

Não há resposta para o que significa Lolita porque não há uma liderança no estilo ou no conceito do que é uma Lolita. Mesmo o anarquismo, que nega todos os valores, tem um guru e preceitos firmes. Mas Lolita não tem isso. Talvez lolita seja a última forma do anarquismo. Cada Lolita tem sua própria definição do que é Lolita. É como se todos os hobbies se juntassem por aqui: Alice, coroas, anjos, ursinhos de pelúcia, Hello Kitty, Koitsukihime (marca muito famosa de bonecas que já fez parcerias com Juliette et Justine), Maki Kusumoto (mangaká muito popular nos anos 80/90), Bach, punk, caixas de músicas antigas, em Lolita é possível amar todos de maneira igual.

Lolita, inclusive, é capaz de combinar Rococó e ótico de maneira consistente. Mas, digo, ninguém é capaz de analisar, decifrar e sintetizar o conceito de Lolita.

Mesmo as designers das marcas que as Lolitas tanto amam não podem liderar o estilo. Faça suas próprias decisões, dependa apenas da sua própria estética, e siga apenas suas regras. Essas são as condições para viver como uma Lolita.   

De um ponto de vista profissional, roupas da Moda Lolita podem parecer um mecanismo de escapismo ou transformação. Mas isso é um grande erro. Lolitas vestem roupas que são criticadas pelas suas costas, seja por seus pais, parentes, amigos e até mesmo pela pessoa amada, isso tudo só por ela ser quem ela é.

 Esse é um comportamento de quem não se reconhece nos valores relativos da sociedade e nutre seus próprios valores pessoais. (N/A: para referência, o filme Peep TV Show! trata dessa mesma abordagem)

Enfim, como alguém que se devota ao espírito de Lolita, eu vou murmurar para o mundo: não tente nos entender;


E é isso! Num futuro distante talvez eu traduza os outros artigos desse livrinho :)
Espero que gostem!

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2 comentários

  1. Achei interessante, e a tradução me pareceu boa o suficiente para entender a visão do autor!

    Apesar do Novala ser um tanto a figura da "crítica social foda", o amor dele pelo estilo sempre me parece genuíno. E as informações sobre elementos da subcultura no Japão são um bom insight para a história dessa moda. Também achei interessante a preocupação e dificuldade em definit exatamente o que é o estilo, embora seja mais fácil falar ~sobre~ o que é: no caso, uma rejeição da moda utilitária por algo conceitual e criativo.

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  2. Muito interessante, não sabia que a Milk tinha tido sua participação ativa na criação da moda, só a Jane Marple. E concordo, é uma moda que cabe a todos, e um modo original de se viver, mesmo com as críticas por trás.

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