Da projeção do discurso negativo sobre a Moda Lolita
Há alguns meses eu saí do Twitter (X) e migrei para o BlueSky, uma rede social bastante parecida em termos de funcionalidade! A mudança foi motivada por uma série de razões: excesso de bots, discursos de ódio a toda esquina, transfobia, machismo explícito, propagandas, ferramentas de IA, caça-treta pra engajamento, uso do seu conteúdo postado no X para alimentar a IA do dono e o fato dela ser conduzida por alguém que desprezo. Penso que minha presença (e a de qualquer outra pessoa) na rede adiciona valor a ela, e eu não gostaria de participar disso.
Nessa mudança para o BlueSky uma coisa ficou bastante clara: o Twitter é uma rede que não só favorece a proliferação de conteúdo negativo sobre qualquer coisa, como também estimula o conflito direto como meio de engajamento e recompensa financeiramente esse engajamento (mesmo que odioso).
Mesmo sem usar o Twitter, recentemente cruzei com uma série de posts sobre pessoas criticando a Moda Lolita nessa rede. A projeção era tanta que esses posts foram reproduzidos no Instagram, enviados privadamente, postados em grupos do WhatsApp, e até no Tumblr eu encontrei!
O que mais me assusta é que esses conteúdos de difamação sempre recebem muito mais atenção que qualquer post informativo, que qualquer post de foto, de discussão, de informação, de celebração etc. que possa surgir sobre a moda. E, se as pessoas estão nessas redes pelo engajamento, o que vale mais a pena: reclamar ou elogiar? É óbvio que reclamar recebe muito mais atenção.
Antes de mudar para o BlueSky eu meio que me conformava pensando que era assim que as redes funcionavam: as pessoas querem atenção e, para ter atenção, gerar conflito é muito mais proveitoso, ainda mais no Twitter que é cheio de gente amarga que sabe o amargor gera engajamento.
Depois da mudança, e se não fossem pelos compartilhamentos ferozes de fora do Twitter, eu praticamente não tive contato com post de reclamões. No Bsky a cultura de compartilhamento e engajamento é bastante diferente, e desde que migrei me dei conta de quão tóxica é a plataforma oferecida pelo Twitter. Mas, mais do que isso, do quanto as pessoas mordem a isca de trolls e entregam justamente o que desejavam, que é a projeção.
Mais doloroso ainda quando o compartilhamento de um desses posts odiosos publiciza o espetáculo de humilhação de uma colega de Moda.
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Outra coisa bastante curiosa que vem com esse tipo de projeção de discurso é o tanto que as pessoas se esforçam para "educar" ou "converter" quem engata de graça em humilhação pública.
Esse tipo de atitude volta e me meia me faz lembrar do que a Letícia Oliveira comenta nas redes. Ela trabalha com mapeamento, prevenção, pesquisa etc. de redpill, incel e o escambau. Não é a mesma coisa, e ela fala de acolhimento, mas mesmo assim eu recomendo a leitura para saber do que eu estarei falando daqui para a frente.
Eu me impressiono com o oportunismo a falta de noção de gente que pensa que vai conseguir "converter" incel, que acha que vai conseguir "desradicalizar" alguém sem ter conhecimento nenhum sobre o real problema que isso causa na nossa sociedade. Não é uma brincadeira, existe risco de vida inclusive
— Letícia Oliveira (@bicicreta.bsky.social) 20 de dezembro de 2024 às 18:24
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Toda semana, quando alguém requenta os tradicionais "Moda Lolita é para atrair pedófilos", "Moda Lolita é coisa de quem não abandonou a infância", "Moda Lolita já traz no nome a natureza nefasta dessa seita disfarçada de hobby" e o clássico "Moda Lolita é coisa de fetiche para usar entre quatro paredes, não na rua ou em eventos sociais quando você deveria se vestir adequadamente como uma mulher moderna", alguma alma bem intencionada compartilha o post e tem o esforço hercúleo de tentar explicar o que é Moda Lolita, as origens, que não é fetiche, que é isso ou aquilo...
Mas o que esse esforço de defender o que ama acaba trazendo é mais visibilidade para o discurso amargo, machista e muitas vezes transfóbico. A prova disso é justamente o aumento da visibilidade do post odioso e a recusa da pessoa odiosa de ler, compreender e se "converter", como disse a Letícia no Blueet acima.
Aqui aparecem duas questões para mim:
- O que a @Chumbrega943450 pensa ou despensa de Moda Lolita não me interessa. A moda alternativa é alternativa justamente porque há algo nela de não-conformidade, de não-mainstream, e esse aspecto em si já implica que nem todos (quase ninguém) vai entender, admirar, elogiar ou enaltecer a moda.
- Por que engajar com conteúdo odioso, aumentar a visibilidade dele, e mandar a mensagem de que o discurso odioso sobre a Moda tem projeção em lugar de justamente projetar os discursos e compartilhamentos positivos sobre a moda? Esse compartilhamento ativo de coisas negativas dita que a posição da Moda Lolita no discurso é sempre de se defender, de se explicar e nunca de se celebrar, de apoiar aquelas que participam, de construir essa comunidade que resiste apesar dos ataques.
Entendo que há também o ímpeto do combate, mas há maneiras e maneiras de se fazer isso sem entregar para o troll o engajamento que ele deseja, sem fazer com que o discurso de que "Moda Lolita é fetiche" apareça antes do discurso de "Moda Lolita é X, é algo que amo, é algo que faço como expressão de minha individualidade". Lembrar também que, enquanto a moda for alternativa, não existe tratamento hegemônico para quem a usa.
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Outra informação interessante é que, fora das redes sociais, o que é associado à Moda Lolita é justamente a curiosidade de saber do que se trata, como se compõe, onde comprar e por aí vai.
Lista de palavras mais buscadas envolvendo Moda Lolita |
A martelada de que Moda Lolita =Fetiche, =crimes etc. acontece e é ampliada dentro dos espaços das redes sociais num esforço que é corroborado também pelas pessoas que tentam defendê-las. Em diversos idiomas, mas aqui em Português, as palavras buscadas FORA do Twitter são sempre com relação à informação quanto ao estilo.
Aqui no Gota de Baunilha mesmo, não tem nenhuma entrada de gente procurando sobre Moda Lolita e fetiche, mesmo eu tendo um post sobre o assunto. As entradas via buscadores indicam que a tendência é sempre por conteúdos relacionados ao surgimento da Moda, aos estilos principais, onde comprar, sobre o Mana-sama (especificamente), onde assistir Shimotsuma Monogatari e sobre Gothic Lolita (em específico também). Me lembra aquele clássico "quando você fecha o Twitter, esse problema ainda existe?"
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Por fim, não acredito que haja a possibilidade de conversão de troll. Eles estão ali cuspindo veneno porque é o que trolls fazem. É por diversão, por engajamento, para ser do contra, para fazer média com seu público, para se sentir melhor, para desqualificar o outro (e aí se sentir melhor), para compensar alguma coisa, ou pela natureza pura e simples do conflito.
Da página da Internet Cordial |
Isso me lembra um grupo de idols que, sempre que eu abria os comentários, estava cheio de gente escrota dizendo os maiores horrores. Em vez de engajar com esse pessoal, a conta simplesmente curtia e respondia apenas os comentários positivos, fazendo com que eles subissem para o topo.
Eu mesma, em vez de responder o pessoal que ia lá destilar raiva, preferia floodar com comentários de encorajamento ou elogioso. O resultado é que, quando alguém abre os comentários já mal intencionado acaba se deparando com uma rede de suporte que, mesmo que de maneira limita, suprime a ação em cadeia de postar xingos e absurdos. Nos últimos tempos o pessoal que batia cartão lá pra xingar simplesmente debandou.
Tirinha do Mundo Avesso |
Em vez de cansar minha infinita beleza com esse pessoal, para mim, é muito mais proveitoso usar da minha plataforma para falar bem da moda, para compartilhar minha experiência, para sugerir mídia, traduzir o que não está em Português, para engajar com quem está postando coord, para dizer o quanto a Moda me faz bem. E é isso que faço, e confesso que sinto que é uma abordagem que cabe com minha personalidade, com minha ansiedade e com minha saúde mental.
Quando encontro esse tipo de gente, eu denuncio, bloqueio e não interajo justamente para que o conteúdo dela não chegue para meus amigos ou para outros trolls. No Bluesky isso tem funcionado, e estou igual aquele meme "Mó Paz".
É importante saber se as pérolas de conhecimento que você está compartilhando estão sendo lançadas aos porcos.
Isso é papo antigo de internet. Cada uma vai encontrar o jeito melhor de ampliar os discursos positivos sobre a moda e de usar sua plataforma, mas o tl;dr desse post é "Não alimente os trolls".
1 comentários
Oi Laura, primeiramente, Feliz Ano Novo e obrigada pelo comentário (atrasada, eu sei).
ResponderExcluirSobre a postagem, realmente é algo que deixa qualquer um inconformado sobre trolls, pessoal destilando ódio e raiva nas redes sociais, atacando quem posta. Acho eu que, como meu twitter é trancado e quem quiser entrar eu tenho que analisar primeiro, não vejo tanta gente propagando ódio (e se propagar, eu barro na hora), como acontece nas Threads do Instagram, que é cada coisa que vinha, que eu acabei desinstalando o aplicativo na hora.
Eu costumo postar muito sobre doramas e filmes japoneses bem como artistas de j-pop, acho que deve ter percebido. No Instagram, eu seguia várias pessoas que diziam gostar de doramas e filmes japoneses, mas com o tempo fui percebendo o quanto essas pessoas estavam eram destilando ódio, fazendo resenhas negativas (se não gostou, bastaria dizer que não é bem o gênero que gosto, para que, quem estivesse interessado, poder conferir, por isso que não costumo dar minha opinião, mas mencionar os temas que o enredo passa), muito para engajamento. Teve muita gente que estava interessada em saber como era o enredo, mas ao ler as postagens negativas (chegando a ser de ódio mesmo), desistiram. Conheci gente que parou de seguir por causa disso.
Como também já me disseram - quer ganhar seguidores? Faz uma postagem bem polêmica. Mas pôxa, quem disse que eu quero ganhar seguidores dessa forma? Tanto que nem comento em algumas contas dando meu ponto de vista que eu sei que vai sair briga. Então, prefiro deixar como está e essa pessoa ganhar visualização da forma que ela quiser, mas não vou opinar mais nada.
Sobre a moda Lolita, eu admiro muito o capricho que as pessoas possuem em confeccionar as peças, o comportamento, a postura e até as comidinhas. Eu vejo isso mais um estilo de vida, assim como existem estilos de vida cozy, rústica, minimalista, etc., e nunca vi nada de errado nisso tudo. Quem vê o lado perverso da coisa, a pessoa é doente, só pode.
Talvez pelo fato de eu estar TANTO tempo morando no Japão que eu já acostumei a ver de tudo um pouco no quesito moda, ainda mais que boa parte do tempo eu passava por Shibuya-Harajuku-Ikebukuro (por causa do trabalho). A moda Lolita eu conheci por causa do filme Shimotsuma Monogatari e aprofundaram um pouco mais no dorama Deka Wanko, onde a protagonista usava modelos do Angelic Pretty.
Por isso que nas minhas resenhas de doramas e filmes eu procuro mais explorar os pontos abordados do que simplesmente dizer que o enredo é uma droga só porque tem um artista que não gosta.
Beijos e se cuida.
PS: seus artigos sobre moda e comportamento Lolita são o máximo de bom.
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